sábado, 27 de dezembro de 2008

A Espera de um Trem

Era uma tarde quente de verão e lá estávamos, em um lugar tranquilo, com passarinhos cantando, árvores e toda uma natureza contemplativa ao nosso redor. Estávamos no meio de um trilho de trem, uma parte da equipe estava de "folga" e neste dia, além da Dani e eu, Tiago, Walkir, Anna Flor, Ricardo (e família) nos acompanhavam. Gravamos os planos com a Dani andando no trilho e em seguida nos preparamos para a parte que seria bem mais complicada. Precisávamos filmar o trem passando com a Dani ao lado do trilho. Detalhe: não sabíamos o horário exato que o maldito trem passaria. A informação que tínhamos era que o mesmo poderia passar das duas até as seis da tarde, ou seja, nos preparamos para longas horas de espera. Tivemos que planejar tudo antecipadamente, enquanto Tiago e eu ficaríamos numa câmera, a Dani estaria na nossa frente, do outro lado do trilho. A Anna Flor teve que ficar mais na frente, para evitar que pessoas aparececem no plano e o Walkir precisou se posicionar lá atrás para nos telefonar avisando o momento que o trem estivesse passando por ele. Ainda tinha o Ricardo, que posicionou sua câmera num tripé bem no meio do trilho, e no momento que o trem chegasse perto, ele tiraria o tripé e ainda filmaria o trem lateralmente, pegando detalhes das rodas e do trilho.

Depois de três longas horas, conversas sobre o nada e histórias sobre a vida (algumas contadas por um bêbado-ex-presidiário-mendigo), eis que o trem mais aguardado por todos resolve aparecer. Neste instante, é celular do Walkir me ligando; é Anna Flor gritando e segurando ciclistas e pedestres que insistem em querem aparecer no filme; é Tiago ligando a câmera na pressa e me perguntando se a Dani tava no lugar certo; é Ricardo segurando sua câmera até o último segundo possível antes de tirá-la do trilho e correr para fora; e é Dani morrendo de medo do trem que passa por ela tirando um fino de assustar até o bêbado-ex-presidiário-mendigo que enxia nosso saco horas antes. Três horas inertes para três minutos de adrenalina pura.

domingo, 21 de dezembro de 2008

No Convento

Precisávamos de um corredor. Daqueles bem grandes. Tentamos alguns lugares até que a Dani lembrou do convento que sua mãe frequentou anos atrás. Sim, sua mãe é uma ex-freira. Chegando lá, conversamos com uma freira muito agradável que nos acompanhou pelos corredores gigantescos e em seguida, aceitou que gravássemos a cena. Não falamos muito sobre o filme pra ela, apenas garantimos que nada que seria gravado ali teria alguma conotação sexual/violenta/preconceituosa. A foto acima pode ser vista como um símbolo da beleza deste convento, assim como sua história, ainda preservada.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Cara Estranho

Depois de algumas conversas, Walkir aceitou fazer o papel do primeiro cara estranho que Sara encontra em sua "jornada". Em seguida, discutimos sobre as possibilidades desse personagem, seus trejeitos e seu background. Como fiz para Sara, escrevi um texto autobiográfico e entreguei ao Walkir. No mesmo dia conversamos a respeito e somente nesse dia ele conseguiu ter uma idéia mais concreta do que eu havia imaginado. Antes tudo estava nebuloso demais, e eu mudava de opinião constantemente, o que confundia a cabeça do Walkir, o deixando inseguro. Durante essas semanas de construção do personagem, ele apareceu com alguns desenhos interessantes sobre como esse cara poderia parecer. Esse que vocês estão vendo aí encima é um exemplo disso. Mudamos algumas coisas dias antes da gravação, mas o conceito básico continuou o mesmo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O Ônibus Que Não Estava Lá

No segundo dia de gravações, acordamos cedo novamente (algo que normalmente prefiro evitar), e fomos rumo a um terminal de ônibus, em um lugar distante e desconhecido por muitos. Meu amigo Eduardo advogava (e ainda advoga) para uma empresa terceirizada da URBS, responsável por uma boa parte da frota de ônibus vermelhos, amarelos, cinzas e outras cores mais que costumam transitar por essa cidade.

Através dele, e também com a autorização da prefeitura que a Anna Flor havia conseguido, conseguimos gravar uma cena em um ônibus cedido especialmente pra gente. Nesta manhã, tivemos além do veículo, um motorista simpático a nossa inteira disposição. Repetimos um pequeno trecho diversas vezes, gravando de várias formas possíveis e no fim, duas horas depois, voltamos ao terminal. Agradecemos ao motorista e a todos que ali estavam. Tiramos fotos e trocamos telefones. Meses depois, na sala de edição, acabamos cortando a cena. Ela estava ótima, mas precisávamos tirar o excesso, caso contrário o filme viraria um média metragem. Sentimos que ela estava de alguma forma atrapalhando o ritmo da história, justificando o seu corte.

sábado, 6 de dezembro de 2008

3 em 1

Terminada a cena do cemitério, juntamos nossos trapos (kilos e kilos de equipamento alugado), devolvemos o caixão emprestado (e que valia exatamente o valor da nossa produção), e fomos para a casa do Tiago, gravar mais três cenas. Nesta tarde, Chapéu foi o grande responsável pela ótima iluminação em um "estúdio" totalmente improvisado, montado na sala do Tiago. Com alguns truques e uma combinação de agilidade/criatividade transformamos o lugar em três locações distintas. Momentos depois, tivemos nosso maior problema até então. Alugamos um baita equipamento de som e na hora de ligarmos um dos microfones na câmera do Chapéu, sentimos um cheiro de queimado daqueles que você até espera sentir numa cozinha, mas nunca em um estúdio (exceto nos filmes pirofágicos). Pensamos: legal, no primeiro dia de filmagem já conseguimos detonar uma câmera e ainda ficamos sem o som "profissional" que investimos e que estava consumindo boa parte do nosso orçamento. Depois damos um jeito, pensei. É certo que essa história de deixar pra resolver um problema na edição é algo que deve ser evitado, mas nesse dia não tivemos outra alternativa.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O 1º Dia

Não lembro se era oito da manhã ou ainda mais cedo, me recordo que era feriado de carnaval e lá estávamos, no cemitério municipal, prestes a iniciar as primeiras gravações. Enquanto a Carla maquiava os atores, eu e o Tiago posicionávamos as câmeras para os primeiros planos do dia. Nessa cena, utilizamos duas câmeras: uma para um plano bem aberto e que inicialmente seria o primeiro do filme, e outro frontal, pegando o caixão e os atores ao redor do mesmo. Depois reposicionamos a primeira câmera para um ponto no meio das árvores, pra termos mais uma opção de corte na edição. O primeiro problema que enfrentamos neste dia foi concorrermos com outro enterro (esse verdadeiro) que estava em andamento no mesmo horário do nosso. Os isopores/refletores que o Chapéu havia colocado nas pilastras próximas aos atores estavam refletindo nas pessoas desse outro enterro, o que incomodou um rapaz que estava "somente" prestando condolências a sua própria mãe. Com certa razão, ele disse que chamaria a polícia caso filmássemos o enterro de sua mãe, o que não tínhamos nenhuma intenção de fazer. Com um pouco de conversa e compreensão, conseguimos evitar maiores problemas e prosseguimos com as gravações.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

(Des)construindo Sara

Era uma vez uma menina chamada Dani que depois passou a ser chamada Sara. Antes disso ela tinha uma história cheia de memórias e lembranças que a levavam a lugares distantes e sentimentos únicos. Sara esquecia que esses sentimentos sempre estiveram com ela por mais escondidos que eles pudessem estar. Relendo cartas antigas, folhando álbuns fotográficos de infância, aos poucos Sara puxava suas memórias e com elas, vinham os sentimentos. Desse momento em diante, Dani era parte de Sara e Sara passou a ser Dani. Sua fala não era mais a mesma, seu jeito de andar e de se vestir, suas emoções, tudo se misturava na sua cabeça. Mas era assim que tinha que ser.

domingo, 23 de novembro de 2008

Encontrando Sara

Como você encontra a atriz ideal para o papel mais importante do seu filme? Poderíamos ter entrado em contato com os agentes mais "quentes" do mercado cinematográfico brasileiro (já existe um?), poderíamos ir nas melhores escolas de teatro do país, numa peregrinação em busca da mais nova atriz-sensação, ou ainda, poderíamos apenas irmos em alguma lanchonete decadente às seis da matina em busca daquela garçonete extremamente talentosa, mas que por algum motivo, continua servindo cafés ao invés de emoções nos cinemas da cidade. Nada disso. Foi mais ou menos assim: Tiago, Sandro, cês conhecem alguém? Como? Assim e assado. Tem essa amiga minha. Tem uma atriz com esse perfil também. Tem orkut? Já fizeram alguma coisa? Ok, vamos chama-las.

Gravamos três cenas com cada uma delas e depois revimos dezenas de vezes. Gostei disso que ela fez aqui. Sou mais a outra. Essa tem mais potencial. Aquela é mais dinâmica. A outra conhece melhor a personagem. Dúvidas e mais dúvidas. Mas como o filme era sobre apenas uma menina e por mais que esta menina tivesse uma irmã na primeira versão do roteiro, tínhamos que escolher apenas uma atriz. Foi difícil. Você sabe que aquele rosto vai fazer parte da sua vida nos próximos 400 dias, em cada ensaio, em cada gravação, em cada frame rotoscopiado. É preciso pesar tudo e depois trocar a balança e pesar tudo novamente.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O Projeto

100% independente, sem apoios ou dinheiro mesmo. Tinhamos uma noção que levaríamos pelo menos uns 3 anos para conclui-lo, a não ser que esquecêssemos da rotoscopia, o que significaria esquecermos do projeto, já que todo ele foi baseado justamente nessa técnica linda. Foi nessa época que alguém ficou sabendo por outro alguém sobre um tal edital da prefeitura, em que projetos de iniciantes eram "contemplados" (adoro essa palavra) e para isso, bastava apenas inscrevermos nosso projeto e depois aguardarmos o resultado do Edital. Essa parte não foi tão simples assim, afinal, tivemos que preencher diversos formulários, além de colher o maior material possível a respeito do filme, currículos dos participantes, clippings, e...documentos. Vários documentos. Caso o projeto não fosse contemplado, esses documentos, ou melhor, a falta de algum deles, seria a provável razão. Por sorte, deu tudo certo e um belo dia o sr. walkir me liga dando os parabéns. Fiquei feliz por vários motivos, entre eles a constatação que o projeto seguiu os padrões formais exigidos (coisa que eu duvidava muito), e principalmente por saber que assim, o projeto realmente sairia do papel. Agradecimentos especiais a Prefeitura Municipal de Curitiba e sua maravilhosa Fundação Cultural.

O vídeo abaixo foi feito pelo Tiago, com imagens da noite que terminamos de escrever o projeto.


Edição: Tiago Valério Arte: Igor Moura

domingo, 16 de novembro de 2008

A História em Quadradinhos

Passado o roteiro e todas as discussões provenientes do mesmo, começamos o trabalho de traduzir as palavras em desenhos que por sua vez foram divididos em planos, cenas e outros termos cinematográficos. É nessa hora que a equipe e o próprio roteirista (neste caso) começa a visualizar materialmente aquilo que será filmado depois. Outras idéias aparecem e muitas vezes o roteiro precisa ser reescrito. Nesse momento também podemos observar o ritmo que a história será contada, antecipando a edição e corrigindo possíveis furos de roteiro. Nossas reuniões de storyboard consistiram na presença deste chato que vos escreve, juntamente com seus dois grandes amigos: Walkir (Fernandes) e Tiago (Valério). Enquanto Walkir, munido de papel e lápis, era o responsável por interpretar aquilo que estava escrito no roteiro e discutido no grupo, Tiago e Igor bebiam cervejas e opinavam sobre os desenhos que iam aparecendo naquelas folhas de papel. Neste clima informal, e depois de uma dezena de encontros desse tipo, o storyboard nasceu. Se estivessemos fazendo um HQ, o projeto já estaria praticamente concluído.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Da Cabeça para o Papel

Antes dos problemas existirem (vide o post 1), algumas etapas vieram e graças a elas hoje temos todos esses problemas. Não que estes só existam devido as etapas anteriores, pelo contrário, esses problemas poderiam ser muito maiores caso não tivessemos feito direito as lições de casa. A primeira surge meio que expontaneamente como qualquer outro pensamento que insiste em visita-lo frequentemente. Antes do roteiro, você tem apenas uma idéia. Só. Ela pode ser estúpida ou inocente, mas mesmo nesses casos, há a possibilidade de algum tipo de aproveitamento. Pode se dizer que foi mais ou menos com uma dessas idéias que decidi escrever o roteiro. Pensei numa menina que perderia tudo no começo do filme para em seguida, embarcar numa espécie de viagem auto-consciente em busca de respostas para os acontecimentos a sua volta. Rotoscopia. Pensei também em fazer isso através dessa técnica, já que assim, estaria mais livre para criar situações pouco prováveis de serem concebidas nos meios "independentes" de se fazer cinema no Brasil.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Hoje



26.000 ou 13.000. Não importa, de qualquer modo a conta é alta. A história está pronta, filmada e editada. Mas inventamos em conta-la através de desenhos que no fim, substituem a imagem captada e dão ao filme uma cara estranha, porém interessante. E é aí que os milhares de frames aparecem. Precisamos desenhar quadro-a-quadro tudo que filmamos anteriormente. É trabalho que não acaba mais.

Eis que temos outro problema: o tempo. Talvez este seja nosso maior vilão. Um vilão que é inexistente na história do filme em si, mas se faz presente nas frequentes batalhas vividas nas produções independentes. Além do tempo, temos ainda: orçamento apertado, dificuldades técnicas e pouca experiência. Essa poderia ser uma história sobre uma criança pobre e especial que tenta vencer na vida, mesmo com pouquíssimas chances. Um Forest Gump. E já que o exemplo veio, é dele que precisamos tirar uma fonte de inspiração: temos que correr.